terça-feira, 24 de junho de 2014

Texto de Roberta Trindade sobre morte de policiais no Rio


Fiz um desabafo no meu perfil pessoal, mas gostaria de compartilhar com todos. Mesmo os que me acompanham apenas profissionalmente. E peço desculpas pelo tamanho do texto.

Sabe, há 18 anos, quando entrei pra faculdade, meu sonho era ser jornalista esportiva. Cheguei a fazer um curso - no qual tive a oportunidade de ir ao Maracanã e pela primeira vez sentar na Tribuna da Imprensa (primeira e única, diga-se de passagem... rs) - e cobrir um Flamengo x Bangu (entrevistando Juan e Pet no vestiário).

Quatro anos depois, comecei a estagiar em um jornal impresso diário - onde a cobertura esportiva se limitava a acompanhar jogos como "Amigos do Copo x Rola Cansada". Fazia matéria de um homicídio aqui, uma apreensão ali, uma prisão acolá, e quando percebi já tinha me tornado uma repórter policial.

Fiz um curso na Faepol, me aprofundei no Código Penal, procurei me qualificar, me atualizar, e de repente me dei conta de que já não saberia trabalhar em outra editoria.

Fui apresentada à uma realidade a qual desconhecia completamente. Descobri que o mundo não era rosa, que havia pessoas com pensamentos, comportamentos e valores bem diferentes dos meus.

Conheci policiais - civis, militares, federais, rodoviários - e conheci o dia-a-dia deles. Conheci os bastidores, a rotina, os dissabores. Percebi o quanto eles eram julgados (e pré-julgados), o quanto eram vítimas de pessoas cheias de pré-conceitos e generalizações.

E ficava tentando entender como aqueles homens e mulheres tinham forças para sair de suas casas (sem garantia de retorno), sabendo que não seriam reconhecidos e nem valorizados (nem pela população e menos ainda pelas autoridades).

Existem policiais que se desviam, que se perdem, que se envolvem com aquilo (e com quem) deveriam combater? Sim, existem.

Como existem advogados, como existem jornalistas, como existem engenheiros, como existem médicos que envergonham suas respectivas classes. 

Caráter (ou ausência dele) é do homem, e não da profissão.

Reconheço que fico triste ao perceber que a vida - e a morte - desses homens e mulheres não causa indignação.

Ao invés disso, gera comentários como "um policial com um carro desses?", "um policial com cordão de ouro?", e outras baboseiras.

Ninguém questiona o fato de homens estarem perdendo a vida simplesmente por terem a identidade funcional descoberta.

Queridos representantes de organizações de "defesa dos direitos humanos": vocês tentam justificar a falta de atenção à questão dizendo que "policiais representam o Estado" e que vocês só se preocupam com "as vítimas do Estado, e não com os representantes dele".

Homens e mulheres que recebem um salário que não condiz com a importância que têm, que muitas vezes não têm viaturas, armamento ou coletes, que ficam em unidades com estruturas precárias (sejam algumas bases de UPPs, sejam algumas delegacias sem ar condicionado, sem banheiro, etc.). Poderia enumerar dezenas de outros obstáculos que esses policiais enfrentam diariamente, mas acho que ninguém teria paciência de ler um texto tão grande...

Esses homens e mulheres não são vítimas do Estado?

E, sendo representantes do Estado, não seria absurdo que fossem eliminados da forma como estão sendo sem que resposta alguma seja dada?

Em menos de 60 dias, temos 34 policiais baleados no Estado do Rio. Destes, 12 morreram. Este é um número aceitável?

E espero que ninguém surja com o blá blá blá "eles sabem que a profissão é de risco", "policial morrer é normal".

Não, não é. A morte deve ser consequência, e não regra.

E que tipo de justificativa seria essa? Então porque ele é policial não merece o direito de viver?

Ah, merece sim. Morrer deve ser um risco, e não uma exigência. Uma exceção, e não uma regra. Uma fatalidade, e não um costume.

Em 2011, 72 policiais foram assassinados nos EUA.
No mesmo ano, somente no Rio de Janeiro, 130 policiais foram baleados - 61 morreram. Somente no Estado do Rio.

Um procurador-geral dos EUA pediu que as autoridades federais trabalhassem junto com os departamentos de polícia locais para tentar encontrar soluções para o problema.

E aqui? O que foi feito aqui para analisar, entender e reverter esse quadro?
Nada! Tanto que os números só crescem...

Em 2012, 136 policiais baleados - 71 morreram.
Em 2013, 201 baleados - 81 mortos. 

E quer dizer que isso é normal? Não, não é.

"Ele escolheu essa profissão" é uma tentativa de justificar o injustificável tão válida como dizer que professores não podem reivindicar melhorias porque quando resolveram seguir a carreira já sabiam os salários que iriam receber.

A partir do momento em que policiais passam a ser mortos simplesmente pelo fato de serem flagrados com uma farda, ou com uma carteira, ou com uma arma, o problema tem que ser de toda a sociedade.

Ao longo da madruga deste domingo, dois policiais do 12ºBPM foram baleados durante confrontos no Morro do Cavalão, em Icaraí, na Zona Sul de Niterói, e no bairro Chic, em um dos acessos à Favela Vila Ipiranga, no Fonseca, na Zona Norte.

Logo no início da manhã, saindo de serviço, o sargento Joilson foi covardemente executado na Cova da Onça - horas após participar de incursão pra acabar com baile funk do CV no Complexo da Lagoinha, no Caramujo.

Aquelas pessoas que vivem criticando a Polícia, reclamando dos bailes funks do tráfico que incomodam seus sonos, eu pergunto: será que agora vocês também vão se pronunciar?

Até quando serão omissos achando que policiais são apenas números e que as mortes deles não são problema de vocês?

Aos que conseguiram ler até aqui, peço desculpas pelo tamanho do texto. Desculpe-me por te fazer perder alguns minutos de seu dia, mas eu precisava desabafar.

fonte: http://robertatrindade.com.br/?page_id=8951